Idéias confusas e errôneas sobre linguagem
Celso Pedro Luft
Muita gente andou e anda escrevendo sobre a crise da linguagem, sobre a redação nos vestibulares e assuntos congêneres. Com boa-vontade e boas intenções, sem dúvida; mas nem sempre com idéias corretas.
Dois exemplos:
(1) Falta à mocidade a clareza de expressão, da qual decorrerá a clareza do pensamento.
(2) Quem escreve bem, pensa melhor. Incapacidade de expressão leva a incapacidade de raciocínio.
Ora, é exatamente o contrário que é verdade:
(3) Falta à mocidade a clareza do pensamento, da qual decorre a clareza da expressão.
(4) Quem pensa bem, escreve melhor. A incapacidade de raciocínio leva à incapacidade de expressão.
Para redigir frases claras e corretas há que ter clareza e correção no pensamento. "Aquilo que se concebe claramente, claramente se exprime, e as palavras para o dizer afloram ao natural" - tradução adaptada de um pensamento de um clássico francês: Boileau. Até os antigos já sabiam...
Outra idéia errada:
(5) "A anarquia da língua precederá a anarquia política e social."
Exatamente o contrário, mais uma vez:
(6) A anarquis política e social [e individual - acrescente-se] precederá a anarquia da língua.
A língua é um instrumento, um veículo de expressão. Por ela e exprimem as realidades humanas - individuais e coletivas.
A anarquia do pensamento, no indivíduo, e a anarquia social e política, nas coletividades, é que vão retratar-se na linguagem e não ao revés.
Eu sei donde vêm estas idéias às avessas. Rui Barbosa é que falava assim: "Uma raça, cujo espírito não defende o seu idioma, entrega a alma ao estrangeiro, antes de ser por ele absorvida".
Há que defender o seu espírito, a independência e a autenticidade do seu pensamento, a pureza e o vigor da sua alma - e com isto defendido estará o idioma, alimentado e enriquecido embora com mil estrangeirismos.
Naturalmente, essas realidades não existem assim em separado: pensamento e linguagem, linguagem e pensamento, vida interior e linguagem, linguagem e vida exterior, indivíduo, sociedade e linguagem se interpenetram e condicionam mutuamente. Mas a vida precede a linguagem; esta é um intrumento daquela.