Não, não todas. Apenas três, por enquanto. Mas o dano pode ser visto, sentido, por qualquer um. Existe um grande buraco no túnel verde do Moinhos de Vento. Uma falha na longa linha de árvores que ladeia a Marquês do Pombal.
Desde que a rua foi fechada, no final de semana passado, as coisas estão caóticas por aqui. Máquinas pesadas, operários, trânsito péssimo (eu levo quase 10 minutos pra vir de ônibus da Curva dos Bombeiros até a Dr. Timóteo... Dá vontade de descer na igreja e vir a pé, de tão lento que anda o ônibus). Brigas, muitas brigas. Minha mãe, acho que num resquício ancestral amazônico, resolveu liderar o movimento contra a retirada das ávores. Fica ligando para os vizinhos, convocando o Secretário do Meio Ambiente, chamando a reportagem... Não apareceu em nenhuma. Não teve o nome impresso no jornal. Mas ela se move independente da propaganda.
Eu sei que o duto é um obra importante. Eu prefiro nunca mais ficar ilhada aqui no prédio, não sentir o cheiro de esgoto da Cristóvão depois de um temporal. Mas as árvores precisam ficar. Elas estão aqui desde que eu me conheço por gente. Eu vivo nesse bairro desde que nasci, eu cresci com essas árvores, sabendo que elas estavam ali e que ali ficariam. Mesmo quando tudo o que existe de sagrado aqui em volta se vai...
O velho armazém Scheider, que deu lugar a uma ferragem, uma butique, uma loja de móveis, um centro de podologia e um café. A tabacaria, que há pouco tempo foi demolida. A padaria do seu Carlos, que virou um espaço moderno e vazio, na esquina da Félix, esperando para ser alugada - e o vulto do seu Carlos, envelhecido demais em pouco tempo, vagando pela rua o dia todo, já que não precisa mais ficar no caixa. Mesmo o prédio onde eu moro, que um dia foi a imponente fábrica da Souza Cruz, um prédio baixo, cinza e robusto, num tempo em que cigarro não era politicamente incorreto...
Tudo está mudando à minha volta. Mas eu quero que as árvores fiquem. Eu quero sentir o vento que elas trazem no fim da tarde, enquanto vejo o sol se pôr atrás da igreja. Eu quero ver a longa linha verde lá da ponta do Morro Ricaldone até o alto da Marquês, passando o Hospital Militar. Eu quero saber que ela vai estar lá, sempre.
Chega de reformar a casa. Eu preciso do meu lar.